A maior hidrovia da Europa
O que é que se entende por obra faraônica? O Brasil, é fato sabido, é pródigo nelas. Mas mesmo por aqui soa improvável imaginar que qualquer projeto que seja possa tomar 84 anos até a sua conclusão. Mais improvável ainda seria pensar que algo assim pudesse ocorrer na moderna Alemanha. Pois bem, acredite, ocorreu. Numa Alemanha que, digamos, ainda não era bem tão moderna. Longe disso, aliás.
O último dia 9 de novembro marcou o aniversário de 20 anos da queda do Muro de Berlim. Algumas obras por lá servem para simbolizar essa data. Nem todas são conhecidas do grande público, possuem grande destaque por aí. O Wasserstrassenkreuz, que, em bom português, significa cruzamento de hidrovias, talvez seja uma delas. Inaugurado em 2003, o canal que liga as antigas Alemanhas Oriental e Ocidental é o maior da Europa.
Os seus 918 m de extensão levaram seis anos e meio bilhão de euros para ficarem prontos. Sob a forte crítica de algumas autoridades, que julgavam a obra desnecessária pelo seu próprio potencial e também por seus impactos junto à natureza.
Na prática, porém, o que se viu foi o inverso, com o aumento no tráfego de mercadorias - até 2015, projeta-se uma movimentação de sete milhões de toneladas pelo local - e a redução na distância das viagens - antes, era preciso percorrer um trajeto em ziguezague que chegava aos 12 km. Entre os alemães, não resta dúvida: a espera valeu à pena.
Não são esses números, no entanto, que mais chamam a atenção quando se fala no Wasserstrassenkreuz. Um rio que passa sobre outro rio - no caso, o Elba -, por assim dizer, a hidrovia impressiona não só por sua extensão, mas também pela grandiosidade. É considerada uma das engenharias mais fantásticas da Alemanha, pautando projetos de caráter igualmente revolucionário por todo o Velho Continente. Muito provavelmente, as autoridades do país, quando conceberam o canal, ainda em 1919, para iniciar a sua construção em 1930 e depois interrompê-la com a Segunda Guerra Mundial, não imaginavam que a sua amplitude seria tamanha, alcançando até mesmo o Brasil.
Pois, acredite, o "viaduto" localizado na cidade alemã de Magdeburg e que se apoia num sistema em que a água eleva a embarcação graças à gravidade é utilizado por aqui como argumento no debate da transposição do rio São Francisco. Um texto que defende a tese pode ser, inclusive, encontrado no portal do Ministério de Integração Nacional, que se posiciona a favor do projeto.
No Brasil, por enquanto, obras como a de Magdeburg ainda são raras e podem ser encontradas em estados como Alagoas e Sergipe, onde atuam no combate à seca no papel de canais de irrigação. Existem algumas explicações para a ausência de projetos semelhantes por nossas águas. A principal delas remete à realidade brasileira e a predominância de rios encachoeirados, num imenso e alto planalto. A Amazônia é exceção, mas, mesmo na região, onde as hidrovias são o grande meio de transporte, a dimensão dos rios torna esses projetos desaconselháveis.