O torturador da vela
Ao tomar nota da gravidade do assunto, a primeira reação foi a de pedir ajuda a algum advogado especializado no tema. "Aos que sabem e aos que não sabem, meu amigo Héctor Echebaster, um dos melhores fotógrafos da vela brasileira, senão o melhor, foi preso pela Interpol semana passada, no Rio. Neste momento delicado, eu gostaria de saber quem gostaria e pode ajudá-lo. Ele teve um passado 'sinistraço' na época da ditadura", publicou, em seu perfil no Facebook, o velejador e também fotógrafo Gustavo Pacheco.
Héctor Echebaster é Héctor Domingo Echebaster. Ou ainda Horacio Andrés Rios Pino e César Alejandro Enciso, a sua identidade verdadeira. Pacheco talvez não soubesse de nada disso quando da prisão de seu colega, no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, em 30 de novembro do ano passado. Outros sabiam ainda menos.
É o caso de Renato Avelar, um dos sócios do bar do Yatch Club Espírito Santo, ponto de encontro dos competidores da regata Eldorado Brasilis, e que naquele ano de 2009 abrigara aquele "cara sensacional, um grande fotógrafo e um ser humano que sofreu muito" em sua própria casa por conta das dificuldades financeiras do clube. "Ele monopolizou o ambiente. Todo mundo ficou prestando atenção e se emocionou quando ele contou como sofreu na Argentina por ser um cara de esquerda e que havia enfrentado a ditadura", relembra Avelar, em uma das passagens ao lado de Héctor Echebaster.
A história não era bem essa. E Renato Avelar tomaria conhecimento a partir de uma abordagem da equipe da revista ESPN para uma matéria publicada na edição de outubro da publicação. Nela, o empresário se mostra perplexo ao descobrir que Echebaster não fora torturado e, sim, torturador nesse passado descrito como "sinistro" por seu amigo Gustavo Pacheco. "Meu Deus, eu acolhi um homem desses em minha casa? Não posso acreditar. Ninguém podia desconfiar dele. Como uma pessoa assim pode se envolver com tortura?".
Avelar relutava em acreditar. Muitos também duvidaram. Foram 21 anos residindo como foragido no Brasil, uma filha de 15 anos, até o mandado de prisão protocolado pela Interpol, emitido a pedido do governo da Itália e executado por policiais federais no fim do ano passado. Ninguém jamais ousara imaginar que, por trás de um dos grandes fotógrafos da vela brasileira, estava alguém perseguido, entre outras coisas, por "crimes de massacre, sequestro de pessoa e homicídio qualificado de cidadãos italianos".
"Nunca imaginei algo semelhante a respeito dele. Quando fiquei sabendo, foi difícil de acreditar. Ele era um cara tranquilo, um ótimo profissional e uma companhia para se tomar cerveja", recorda Marcelo Ferreira, três vezes medalhista olímpico, uma das figuras mais importantes do iatismo nacional e que conviveu com Héctor Echebaster durante uma das edições da Volvo Ocean Race, a mais tradicional regata de volta ao mundo, em entrevista à revista ESPN.
Naquele que vem sendo o seu endereço desde novembro de 2010, o presídio Ary Franco, na bairro de Água Santa, zona norte do Rio de Janeiro, Héctor Echebaster não atende mais por Hector Domingo Echebaster e, sim, por César Alejandro Enciso enquanto aguarda pelo julgamento do STF. Num processo semelhante ao do ex-refugiado Cesare Battisti e que pode vir a ter o seu futuro conhecido através da presidente Dilma Rousseff, presa e torturada no passado.